“Pedro disse a Maria: Irmã, nós sabemos que o Mestre te amou diferente das outras mulheres. Diz nos as palavras que Ele te disse, das quais tu te lembras e das quais nós não tivemos conhecimento” .
Existem personagens que marcam nossas vidas. Nos emocionamos com muitas historias bíblicas personagens, vida de santos. E a compreensão que temos desses personagens muitas vezes permanece a da catequese da primeira eucaristia sem aprofundarmos.Quando as pessoas recebem outras informações, ao invés de aprofundarem seus conhecimentos querem afirmar como verdade ultima e essencial àqueles conteúdos apreendidos no passado sem atualizá-los a luz dos novos dados.Comigo não poderia ser diferente dos outros, ouvi a vida inteira sobre Maria Madalena como a pecadora arrependida a quem Jesus concedeu o perdão, e muitas vezes na catequese ou na homilia dos padres ouvi se referirem a ela como prostituta, e sempre evocada a figura com uma conotação moralista, de pecado e pecado relacionado ao sexo. Mas com o tempo fui crescendo e já não podia mais me alimentar só de leite materno era preciso comer algo sólido. Na minha caminhada na fé aconteceu a mesma coisa.
E retornei ao jardim de infância para relembrar vários personagens da minha época de catequese: o Jesus que conheci, Maria, mãe de Jesus companheira de todos os momentos, os apóstolos, me recordo com carinho de cada um deles, e Maria Madalena, por quem tive sempre muita admiração. Senti a necessidade de me debruçar sobre essa figura do Evangelho e conhecê-la melhor e descobri uma outra Maria Madalena que não é conhecida. A fiel testemunha de Jesus, a companheira de caminhada, a discípula, a grande apostola que com o caminhar da história foi desacreditada e vinculada a “mulher pega em adultério” que não é nomeada no evangelho segundo João 8,1-7, colocada como “prostituta”. Primeiro acho necessário discernir entre “prostituta” que se vende como forma de ganhar a vida, tornando-se assim uma profissão. A atual linguagem pede que nos façamos referencias a essas pessoas, não como prostitutas, mas como “prostituídas” uma situação sócio-politico-economica a levou a essa forma de sobrevivência.
Compreendendo os termos: prostituta/prostituída, partimos para adultera, alguém já comprometida em casamento a alguém que por um motivo ou outro se faz infiel a esse compromisso. A mulher que vai a julgamento no evangelho de João não tem como ser vinculada a Maria Madalena não tem nome, é absurda essa vinculação. Mas agora falemos um pouco de Maria, que para mim é uma personagem importante que aponta com coragem o seguimento do Mestre, seu compromisso com Ele, com seu estilo de vida e projeto.
Tendo presente a celebração da Ressurreição do Senhor, os relatos do Evangelho de João nos colocam a experiência de Maria bem próxima do Senhor, tanto na cruz: “A mãe de Jesus, a irmã da mãe dele, Maria de Cléofas, e Maria Madalena estavam junto a cruz” durante o sepultamento,”Maria tinha ficado fora, chorando junto ao túmulo” e Ela reconhece o Senhor ressuscitado: “Mestre” e anuncia aos discípulos: “Eu vi o senhor. E contou o que Jesus tinha dito” Por isso, celebrando a Ressurreição do Senhor e vivendo este momento de intimidade com Ele, para nós que procuramos seguí-lo de perto, a oportunidade privilegiada para fazer o caminho, viver, morrer e ressuscitar com Ele. A contribuição de quem conviveu e seguiu bem de perto o Senhor pode nos ajudar a estar nessa presença do Ressuscitado. O testemunho dessa “discípula amada”, que conviveu com Jesus, partilhou de sua proposta, se sentiu tocada pelo mestre e não mais o abandonou.
Maria se colocou a fazer o caminho do discípulo e da discípula, deixou-se amar e ser amada por Ele compartilhou sua vida e jamais se apartou dele. Seu testemunho se coloca para nós cristãos e cristãs como o paradigma do discípulo e da discípula que se compromete com o mestre e com a proposta de vida nova. Ela é o modelo de seguidora de Jesus.
Mas durante a história algumas visões preconceituosas construíram uma figura errônea desta testemunha da Ressurreição, mulher, discípula, fiel ao seu mestre aos seus ensinamentos e com certeza forte liderança no ambiente das primeiras comunidades cristãs.
Recentes estudos nos ajudam a conhecer um pouco mais sobre essa liderança das primeiras comunidades. Em primeiro lugar é preciso quebrar os preconceitos em relação a esta figura feminina. Madalena não é a prostituta, nem a pecadora que se arrependeu.
Conhecendo um pouco mais sobre Maria “Miriam de Mágdala” é sabido que na cultura judaica o nome ajuda a elucidar a identidade das pessoas e em alguns casos designam a missão da pessoa. No caso de Míriam, que quer dizer amada de Deus, ou neste caso a amada do Mestre Jesus.
No Evangelho de Felipe se diz: “O Senhor amava Maria mais que todos os discípulos, e a beijava na boca freqüentemente. Os outros discípulos viram-no amando a Maria e lhe disseram: Por que a amas mais que a todos nós? O salvador respondeu dizendo: Como é possível que eu não vos ame tanto quanto ela?” “Mágdala deriva do hebraico midgal, que quer dizer Torre. Maria é ,portanto, a mulher da Torre, a guardiã, aquela que guarda os mandamentos de Jesus”
Outras fontes revelam também que Maria é mulher autônoma. Pois seu nome não está relacionado a um parente masculino: pai, irmão, etc.Mas ela tem rosto próprio e o que a designa é o nome de sua região de origem. Isso nos mostra que ela é uma mulher independente que segue Jesus . Maria é citada nos Evangelhos canônicos doze vezes.Em Marcos, Madalena é mencionada juntamente com as mulheres que seguiam Jesus e o serviam desde quando estava na Galiléia: “Entre elas estavam Maria Madalena, Maria mãe de Tiago, o menor e de Joset e Salomé.” Essas mulheres também são qualificadas como as discípulas. Na lista de mulheres que seguiam Jesus sempre Maria Madalena é citada por primeira, o que sugere liderança. Podemos ver isso também nas cenas da Crucificação e da Ressurreição . Ficaram olhando onde Jesus tinha sido colocado . Quando passou o sábado compraram perfumes para ungir o corpo de Jesus Depois de ressuscitar Jesus apareceu a Maria Madalena da qual havia tirado sete demônios. Ela foi anunciar isso aos seguidores de Cristo que estavam de luto e chorando .
Segundo os critérios de Atos 1, 21-25, Maria recebe autoridade de “testemunha da Ressurreição” e “apóstola”. A apóstola Maria Madalena a partir do momento que conhece o Senhor e resolve tomar o caminho do discipulado não se aparta mais dele. Ela percorreu o caminho da Galiléia para Jerusalém. Na cena da crucificação, mesmo correndo o risco de ser presa pelos romanos ou até crucificada ela se manteve acompanhando o Mestre na cruz. Foi ao túmulo homenagear o Jesus, ungir o seu cadáver e recebeu o encargo de anunciar sua Ressurreição. Lucas também menciona o fato de Maria ser curada de sete demônios e como anunciadora da Ressurreição e provavelmente está presente entre as mulheres das comunidades primitivas em Jerusalém “Os quatro Evangelhos mostram claramente essa imagem, mas a ela se opõe a afirmação de Paulo em 1 Cor15,3s sobre as testemunhas da Ressurreição” Quando Paulo fala da aparição do Ressuscitado, menciona aos apóstolos, a comunidade reunida e depois a si próprio, legitimando seu título de apóstolo, mas não menciona o testemunho das mulheres.
Na tradição as coisas vão se misturando e aos poucos e tornando se nebulosas e a apóstola, discípula fiel do mestre vai se aproximando ou transformando na pecadora redimida ou na adúltera da tradição. “A partir do século IV podem –se comprovar tentativas de Cassiano e Ambrósio, padres da Igreja latina, para fazer da “apostola de todos os apóstolos”, como às vezes ela ainda é chamada até à Alta Idade Média , um ser sexual de uma espécie particular: a grande pecadora que em Lucas 17, 36s unge Jesus foi posta em conexão com Maria Madalena(...) Com isto a doença da primeira apostola passou a ser entendida como sendo desregramento sexual” A leitura feita sobre a personagem Maria Madalena é de forma moralizante e sua condição existencial de mulher seguidora do Cristo vai se mesclando com o pecado sexual e prostituição. Temos duas leituras a Madalena Apóstola e a Madalena Arrependida que se identifica com a prostituta da Tradição. Mas com Gregório I passamos a ter uma única leitura dessa personagem que se torna a oficial, a Madalena Prostituta. “Com a difusão das homilias madalênicas do Papa Gregório I, essa imagem passou a ser única e obrigatória”
Durante séculos essa leitura é a que prevalece, que se populariza e fixa no inconsciente católico e de certa maneira perdura até hoje. É necessário fazer justiça histórica para com essa testemunha tão importante! No andar da carruagem o Concilio Vaticano II com suas várias mudanças, atualizações e ajustes, joga um pouco de luz sobre essa personagem: “O Concilio Vaticano II dá alguns primeiros passos na perspectiva de desligar estas duas imagens. A festa patronal de Maria Madalena torna-se independente e são trocadas as leituras fixadas para ela... No entanto, continua ocorrendo algo de curioso: a grande maioria dos pregadores, embora acabem de ler um texto evangélico no qual se mostra Miriam de Mágdala como a primeira testemunha da Ressurreição, pregam em seguida a história da prostituta arrependida. Nota-se que esta é uma imagem que atrai mais os homens que a de uma líder eclesial influente”
Chamo atenção para a beleza do relacionamento entre mestre e discípula, Jeshuá e Míriam. Está presente o modelo cristão de cumplicidade, relacionalidade entre os gêneros, troca, partilha e crescimento entre homem e mulher em pé de igualdade e respeito recíproco. Adotamos como modelo de solidariedade: Maria mãe e Jesus que são unidos por laços biológicos, com certeza, um relacionamento profundo, também é interessante percebermos os laços de amizade entre Jesus e Madalena e a solidariedade entre ambos. Eles expõem o protótipo cristão de relacionalidade de gênero.
Somos convidados a perceber essa discípula que vive a intimidade com o Senhor na experiência pré, pascal e pós. Como é bonita e nos nutre no seguimento a cena colocada em João 20,1-18. Maria atenta aos acontecimentos vai ainda escuro ao túmulo. Ela vê que a pedra que fechava o túmulo foi rolada. Corre apressada e comunica a Pedro e ao outro discípulo que o corpo do Mestre não está mais lá. Fica inquieta, por não saber onde está. Vai com os dois discípulos e fica chorando do lado de fora do túmulo, não se conforma, já o tinham feito sofrer de mais, mataram-no e ainda roubam o corpo. Maria é interpelada pelos anjos aos quais responde que esta assim por não achar o corpo do Senhor. Vira-se e vê o mestre, mas não reconhece, Ele pergunta: Quem procuras? Ela sem reconhecê-lo ainda pergunta se foi ele que levou o corpo. Quando ouve o Mestre pronunciar seu nome: Maria! Ela responde: Mestre! Mas Jesus disse: Não me prenda, vai comunicar aos irmãos. Vou ao Pai que é o Pai de vocês. Recebendo esse mandato e dando se conta de que presenciará a vida pulsar, o Ressuscitado. Maria partiu e anunciou aos discípulos: “Eu vi o Senhor” “A missão de Maria Madalena como testemunha e mensageira da verdadeira fé era única no contexto do que hoje poderia parecer um período igualmente único da florescente comunidade cristã. Aparece como a primeira e imediatamente, a mais importante das mulheres em torno de Cristo. Na geração posterior à ressurreição surpreendente descobrir a magnitude da importância de alguns dos papéis que as mulheres desempenharam” Nada mais justo que se faça presente no momento da Ressurreição, quem caminhou com Jesus toda a sua missão, nos momentos difíceis da cruz.“Maria Madalena na sua experiência de vida, experimenta o fascínio e o tremor na relação com o Próprio Jesus. Discípula desde a Galiléia, ela acompanha Jesus. Enfrenta junto com as outras mulheres a dura experiência da morte violenta a que submeteram Jesus. Ela aguarda a Ressurreição, a continuidade da vida e do processo instaurado por Jesus”
Precisamos resgatar muitos valores das primeiras comunidades que parecem estar adormecidos. A radicalidade do seguimento de Cristo. A opção de vida vivenciada e o fervor com que aderiram a esta proposta de vida apresentada por Jesus. Essa mulher que aderiu incondicionalmente ao Mestre tem muito a dizer aos cristãos, homens e mulheres do século XXI. A sua postura pode nos ajudar a nos aproximarmos do mestre e colocarmos em prática suas palavras. Abrir-se cada vez mais ao sopro do Espírito e caminhar com o Ressuscitado gerando a Ressurreição e vida. Uma comunidade que escuta essa apóstola amada do mestre e que testemunhou sua Ressurreição. Somente assim: “A Igreja só poderá ser uma comunidade de mulheres independentes e de homens maduros onde Maria Madalena vier a ser redescoberta em sua importância neotestamentaria”