A Vida Religiosa durante toda a sua trajetória soube dar respostas, sendo sinal de progresso humano e tendo atitudes revolucionárias no contexto sóciopolítico[2]. Pensemos nos Monges do Deserto que questionavam com sua vida toda uma estrutura social e as formas pelas quais a Igreja se submetia a ela. As Ordens mendicantes e a nova proposta que apresentam, o protagonismo dos religiosos ligados às universidades e as congregações modernas que supriram várias carências pelas quais o governo estava em déficit. Sem falar nos inventos e descobertas feitos por monges, as engenhosas máquinas que facilitavam a vida, as descobertas científicas e muitas outras. Lembro Roger Bacon, frade franciscano que no seu tempo já havia constatado que as lentes de vidro serviam para correção de deficiências visuais.
Num passado não muito distante e ainda agora subsistem, em algumas cidades do interior, as figuras do padre ou da religiosa que são tidos como autoridades, como alguém que tem mais conhecimento, que pode contribuir não somente no campo religioso, mas também prestar ajuda em outras questões do cotidiano do povo. A Vida Religiosa sempre marcou e deve marcar presença e influir no mundo com os valores que tem a oferecer.
Importa-nos hoje perguntar e responder qual o rosto que a Vida Religiosa apresenta ao mundo? Estamos no século XXI temos que admitir e tomar consciência de todas as transformações que sofremos. As informações nos chegam com uma velocidade incrível, e às vezes, não conseguimos assimilá-las. Muitas vezes não conseguimos perceber as transformações[3]. Ficamos enclausurados em nossas categorias clássicas sem digerir o novo. A mudança de época está acontecendo! Os desafios são plurais. As altas tecnologias que influem na vida dos seres, tudo isso pede que repensemos a antropologia[4]. No processo de globalização[5] que nos envolve, já não estamos ilhados, mas envolvidos em uma “aldeia global”[6]. O mundo inteiro está interligado por uma teia de relações complexas[7]. A trama é tecida a cada dia. A Internet se impõe como um poderoso meio de comunicação[8]. São várias as vozes que gritam ao mesmo tempo, numa miscelânea com freqüência confusa. Uma diversidade de espiritualidades se apresentam ao ser humano. Há uma variedade grande de experiências religiosas que são oferecidas ao fiel como um pacote para que ele consuma. Muitas posturas éticas estão a se oferecer. A ética consumista, por exemplo, é só uma delas. O mercado convoca todos a ser pelo que consomem. Um hedonismo exacerbado invade os meios de comunicação.
Tendo em mente um pouco desse panorama, como ouvir e comunicar a voz do Bom Pastor? Qual a mensagem profética que nós religiosos comunicamos ao mundo? Talvez nossa resposta não seja satisfatória? Quando decoramos as respostas, as perguntas já mudaram e não percebermos. Será que não estamos correndo o sério risco de perder o bonde da história?
Os outros apresentam a mentira com uma persuasão como se fosse a verdade, e nos comunicamos a verdade sem nenhuma eloqüência de maneira a parecer mentira.
Muitas vezes o rosto apresentado da Vida Religiosa, ou mesmo da Boa nova não é tão entusiasta como a Irmã Mary Clarence, personagem de Woopi Goldberg, no filme, Sister Act (Mudança de hábito). Talvez nos falte esse entusiasmo e, no caso de franciscano-capuchinhos, o entusiasmo e alegria de Frei Junípero, que nos revela os sinais da graça divina em suas trapalhadas. O espírito simples de “I Fioretti” precisa ser resgatado! O “homo ludens” franciscano está sufocado em nosso peito e tem muito a dizer para a modernidade. O vinho esta acabando e esquecemos de convidar Jesus para nossa festa. Quem transformará nossa água em vinho?
Às vezes nos falta a humildade de sentar aos pés do mestre e aprender dele como Maria de Betânia, escutar atenciosamente o que ele tem a nos comunicar, fazendo essa experiência de se tornar discípulo. Fazer a experiência kenótica com o mestre para comunicá-lo, descer nos profundos da realidade. Nessa mudança de época é necessário: “Tornar-se Jesus para comunicar Jesus”. A interatividade[9] é fundamental nesse nosso aprendizado, devemos integrar as várias dimensões de nosso ser e nos atualizarmos, Parece que empreendemos a viagem a cavalo quando todos os outros já partiram de jatinho. Somos chamados a ser profetas na pós-modernidade precisamos sempre fazer uma boa análise de conjuntura e ver além.
Outro elemento fundamental é a relacionalidade[10] no processo comunicativo. Não devemos reduzir a comunicação somente aos meios. Pensemos que todo o nosso ser é comunicativo. Devemos entender a comunicação no sentido antropológico do termo. Os nossos atos, gestos, nossa maneira de ser é comunicação, o ser humano é comunicativo por natureza. Mas, a nós, cristãos, em especial religiosos cabe o grande desafio de comunicar Jesus-Caminho, verdade e vida[11].
A Vida Religiosa tem por missão ser um prolongamento na história de uma especial presença do Senhor Ressuscitado. Ela é um dom de Deus à Igreja por meio do Espírito Santo. Será que comunicamos o valor de ser consagrado que nos convoca a viver com radicalidade o Seguimento de Jesus casto, pobre e obediente para continuar sua missão no mundo?
O Redemptoris Missio nos diz que “o mundo das comunicações sociais é areópago dos tempos modernos onde o Evangelho deve ser proclamado”[12]. E cabe a nós fazermos o diálogo entre fé e cultura. Atualizarmos a nossa forma de comunicar a verdade de Jesus para o homem da pós-modernidade. Todo carisma está imbuído de comunicação. Ele é comunicação de um dom concedido por Deus para estar a serviço. Os desafios são muitos. Mas é necessário relacionalidade, diálogo, interatividade, abertura, humildade de coração coragem de se atualizar para exercer o profetismo na pós-modernidade, saber fazer as conexões entre os nossos valores e a realidade. Qual o jeito franciscano-capuchinho de comunicar Jesus, hoje?
[1] Reflexão desenvolvida a partir do curso: “Os conselhos evangélicos na ótica da comunicação”, ministrado por Irmã Joana T. Puntel, religiosa paulina, doutora em Comunicação Social pela Simon Fraser University (Canadá)
[2] CHITTISTER, Joan. Fogo sob cinzas – Uma espiritualidade da vida religiosa contemporânea, p.18.
[3]cf. BABIN,Pierre, A era da comunicação,p.5-32
[4] BABIN,Pierre e KOULOUMDJIAN, Marie-France, Os novos modos de compreender- a geração do audivisual e do computador,pp.11-22.
[5] THOMPSON, John B., A mídia e a modernidade - Uma teoria social da mídia, p 135-154.
[6] Redemptoris Missio, p.63.
[7] PETRAGLIA, Isabel Cristina, Edgar Morin – A educação e a complexidade do ser e do saber,p.39-42
[8] cf. THOMPSON, John B., A mídia e a modernidade- Uma teoria social da mídia,p.20-25
[9] cf. LÉVY, Pierre, Cibercultura, pp.77-83.
[10] cf. GEBARA, Ivone, Rompendo o silêncio - uma fenomenologia feminista do mal, 188-201.
[11] BONATTI, Mario, Liturgia, Comunicação e cultura, pp39-44.
[12] Redemptoris Missio n. 37 p.63
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