quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

A força profética da Paz não cala.



A paz sempre foi almejada por todos os povos. Durante a história da humanidade temos uma infinidade de tentativas de estabelecer a paz, de manter a ordem, mas tendo como parâmetro a guerra, a dominação e subserviência dos outros povos.

Essa tentativa está expressa no pensamento grego em Heráclito com a sentença: “A guerra é a origem de tudo”. Os romanos, com o famoso dizer: “Se queres paz, prepara-te para a guerra, é a pax romana”. Estudando a história de Israel e todo o seu desfeixo vemos nitidamente como esse antagonismo está presente, ao mesmo tempo: um grande anseio pela paz construído pela força da guerra.

Voltando o olhar para nossos antepassados constatamos que a guerra não constroe paz, ao contrario traz violência, miséria e injustiça. Quando a paz é ameaçada a imagem e semelhança de Deus é violada nos homens, nas mulheres e nas crianças.

O que acontecia no passado continua acontecendo, o ser humano é ameaçado e as esperanças de construir a paz, se esfacelam. Os paises africanos em guerras fratricidas, os E.U.A impondo a “pax americana” ao mundo. A ordem mundial é ameaçada.

Neste contexto que se apresenta caótico. Os cristãos são chamados, convocados a ser profetas da paz. Seguindo de perto o exemplo de seu mestre: Jesus Cristo, o Príncipe da Paz. De fato, com o anuncio do seu nascimento os anjos cantam: “ Glória a Deus nos altos céus e paz na terra aos homens por ele amados”[1] Ele diz aos seus discípulos, cristãos e cristãs de todos os tempos: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo”[2] O Ressuscitado da a sua paz e envia seus discípulos para proclamar a paz: “ A paz esteja com vocês”[3]

A prática e o discurso de Jesus é uma constante ação de construção da paz. No sermão da montanha, no trecho das bem aventuranças, no Evangelho de Mateus, Jesus ensina: “Felizes os que promovem a paz porque serão chamados filhos de Deus”[4] Seu mestre os ensina a “oferecer a outra face”[5]. Não simplesmente dar o outro lado do rosto para bater, mas mostrar o outro lado da situação, em meio às guerras, testemunhar a paz. Quando são enviados em missão ao chegar, o primeiro passo é saudar desejando a paz[6].

Na Idade Média, outro homem Francisco de Assis consagrando sua vida a seguir o Evangelho de Jesus Cristo se torna testemunho de paz. Celano ao descrevê-lo, escreve : “ Como era bonito, atraente e de aspecto glorioso na inocência de sua vida, na simplicidade da palavras, na pureza de coração, no amor a Deus, na caridade fraterna, na obediência ardorosa, no trato afetivo e no aspecto angelical...”[7] O retrato de Francisco é desenhado como uma pessoa que a sua presença transmite paz. Todas as vezes que iniciava a pregação desejava a paz[8]. Como um soldado de Cristo percorre as cidades anunciando a paz[9]. Em I Fioretti, Francisco pacifica um leproso impaciente que agride os frades e ao se submeter ao leproso e lavá-lo, pedindo que ele permaneça na paz o leproso é curado.[10] Em Arezzo, quando a cidade estava em guerra interna restabelece a paz por meio de Frei Silvestre que é seu porta voz[11]. Em Assis, quando o bispo e o podestá de Assis estavam em grande contenda. Compõe o Cântico do Frei Sol, convoca seus irmãos e na presença dos cidadãos reunidos os frades cantam tocando os corações do bispo e do podestá que se reconciliam e a paz volta a reinar[12]. Em Gubbio, um lobo causa terror na cidade, Francisco encontra nele um irmão e estabelece a paz entre ele e os homens[13]. Quando Frei Masseo e Francisco chegam a Siena os habitantes estão em guerra e após uma pregação a paz é restabelecida.[14] Francisco como os cruzados parte em missão entre os muçulmanos, mas diferente dos cruzados seu objetivo é outro. Encontra-se com o Sultão em Damieta, os dois conversam em paz[15]. A sua prática é pacifica mais por exemplo que por palavra, ainda sim, exorta seus irmãos a serem pacíficos “ São verdadeiramente pacíficos os que , no meio de tudo quanto padecem neste mundo, se conservam em paz interior e exteriormente, por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo”[16]

Em 1963, o mesmo que dizia: “ O mundo inteiro é minha família” Preocupado com a ordem mundial e com os caminhos que o mundo estava tomando, o Papa da Paz, como ficou conhecido João XXIII, lança a Encíclica “Pacem in Terris” ( A paz na terra). Na introdução da encíclica escreve: “A paz na terra, anseio profundo de todos os homens de todos os tempos, não se pode estabelecer nem consolidar senão no pleno respeito da ordem instituída por Deus”[17] e no desenvolver enfatiza a grandeza e majestade de Deus que tudo criou maravilhosamente e a dignidade do ser humano feito a sua imagem e semelhança. Recordando ainda, a perfeita harmonia que existe no mundo criado, ao que chama “ordem natural”. Essa ordem criada por Deus que faz funcionar tudo de forma perfeita essa “lei“ que indica como deve ser a convivência da comunidade humana .

E para que essa harmonia continue é preciso primar pela dignidade do ser humano fazendo com que de fato tenha seus direitos respeitados: o direito a existência e um padrão de vida digno, e ao cultivo de seus valores culturais e morais, também de honrar Deus segundo a sua consciência, escolher seu estado de vida com liberdade. Ter seus direitos respeitados no campo sócio-politico-economico dentro da comunidade humana.

As comunidades políticas, o poder público deve colaborar para que esses direitos aconteçam em harmonia orientando tudo para o bem comum. O Santo Padre, exorta todos os cristãos a luz dos sinais dos tempos e participando na vida pública contribuir para que a paz aconteça. Dessa maneira influindo no desarmamento, nas relações com adeptos de outras religiões construir espaços de solidariedade e fraternidade.

Essa paz proposta por João XXIII não é descomprometida, mas é um resgate e uma atualização da paz evangélica, profética que propõe uma transformação dos ambientes ressequidos pela violência a partir de uma paz que está na ordem da natureza instituída por Deus e do coração do ser humano. Mas não é somente um estado de espírito, ou uma paz intimista esta fundada na verdade, na liberdade e justiça. Para construir a paz sem fundamento na verdade e na justiça é preciso criar guerras e pretextos para mais guerra. Precisamos estar sempre atentos! Pio XII nos alerta quando diz: “Nada se perde com a paz; mas tudo se pode destruir com a guerra”[18]

Esses são apenas alguns ecos da paz profética que não cala. Uma paz que propõe acabar com a violência do ser humano, mas parte do interior dos corações e por isso, tem condições de romper com as estruturas de violência. Não é simplesmente uma paz espiritualista ou intimista como propõe alguns grupos. Mas é espiritual porque está no profundo do espírito humano, transformadora e profética.


[1] Lc 2,14

[2] Jo 14,27

[3] Jo20,19.

[4] Mt5,9

[5] Mt5,39

[6] cf Mt10,12-14 e Lc10,5-7

[7] I Cel 83 pp.237-238.

[8] cf. I Cel 23 p.195

[9] cf. I Cel 36 pp.204-205

[10] Fior 25 pp.1130-1132

[11] cf 2 Cel 108.pp. 364-365.

[12] Legenda Perusina 44 pp. 776-777.

[13] cf Fior 21 pp.1122-1125

[14] cf Fior 11 pp.1101-1103.

[15] cf LM II 3 pp.626-627.

[16] Adm 15,2pp.66

[17] Pacem in Terris p.3

[18] Nuntius radiophonicuus, datus die XXIV mensis Augusti anno 1939, A.A.s XXXI,1939p.334.

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